
Temos de reconhecer
que no passado fomos bons na interpretação do acordo do GATT e em sua solução
de controvérsias.
A arte de negociar é um livro escrito pelo então incorporador Donald
Trump, antes de se tornar democraticamente eleito – por duas vezes – Presidente
dos EUA. Hoje, comanda ainda uma grande economia, que tem a mais dispendiosa e
belicosa das forças armadas do mundo moderno. De fato, ele lidera um império
com sinais de decadência porque sua economia não apresenta dinamismo econômico
e tecnológico no longo prazo devido ao excesso de gastos públicos, ao alto
nível da dívida pública, ao contínuo déficit comercial, e ao seu gasto militar
que só cresce por ser a gendarme do mundo.
A existência e a manutenção conjunta de déficit comercial e orçamentário
fazem com que os principais bancos centrais do mundo diversifiquem os seus
ativos que estão nos portfolios de suas reservas internacionais, reduzindo a
presença do dólar e o trocando por ouro e outras moedas conversíveis, como o
renimbi, yen ou até as recém-criadas moedas digitais. Isso não é um processo de
desdolarização, mas um movimento prudente dos Bancos Centrais do resto do mundo
face à incerteza e ao risco de carregar nas reservas ativos financeiros
denominados em dólar. Isso significa que o dólar está perdendo aos poucos sua
função de reserva de valor devido à gradual perda de credibilidade da gestão
macroeconômica implantada simultaneamente pelo Federal Reserve, e pelo Departamento
do Tesouro norte-americano.
Ao colocar a política denominada de “America First”, como objetivo de
política comercial e de trade policy, e, também cobrar das nações que necessitam de
proteção militar – exemplo União Europeia – que entrem com um maior valor de
gastos para a sua segurança mostra que são corretas as metas e ações do
Governo Trump 2.0 para reduzir o excesso de dispêndio que os EUA fazem no seu
complexo industrial militar. Além disso, ao buscar reduzir o peso da máquina
pública norte americana obrigando-a ser mais eficiente e efetiva através de
sugestões de ações de corte de custos feita pelo departamento DOGE – criado por
Trump e gerido por Elon Musk – sinaliza um compromisso com credibilidade de
política fiscal para reduzir os gastos públicos correntes.
Ao colocar a política denominada de “America First”, como objetivo de
política comercial e de trade policy, e, também cobrar das nações que necessitam de
proteção militar – exemplo União Europeia – que entrem com um maior valor de
gastos para a sua segurança mostra que são corretas as metas e ações do
Governo Trump 2.0 para reduzir o excesso de dispêndio que os EUA fazem no seu
complexo industrial militar. Além disso, ao buscar reduzir o peso da máquina
pública norte americana obrigando-a ser mais eficiente e efetiva através de
sugestões de ações de corte de custos feita pelo departamento DOGE – criado por
Trump e gerido por Elon Musk – sinaliza um compromisso com credibilidade de
política fiscal para reduzir os gastos públicos correntes.
Vale lembrar, que
além de ser um incorporador de renome, Trump tempos atrás também comandou um
“reality show,” cuja técnica passou a adotar na gestão da sua agenda de
política interna e externa, tanto no período do Trump 1.0, quanto agora no 2.0.
Data daquela época o saber ”zoar” os brasileiros. Primeiro, foi provocar o
derrotado treinador da seleção de futebol brasileira da época – Tite – sobre a
atuação do nosso time. Usando conquistas passadas, em entrevista televisiva,
nos EUA, o nosso timoneiro sem rumo da CBF levantou uma mão sinalizando os
cinco títulos mundiais ganhos num passado de glória.
Sabiamente, naquele momento Trump não
revidou! Mas, ele cutucou os brasileiros de uma forma singular tempos depois.
Isso ocorreu ao assinar durante o período Trump 1.0 o novo acordo comercial
entre os EUA com o México e Canadá. O então presidente do EUA – numa
atitude comum sua – fez comentários extra pauta, sobre a Índia e o Brasil.
Vindo de Trump, devemos num primeiro momento analisar e entender os adjetivos
usados à época por Trump – “beauty and toughest” – para se referir aos
brasileiros.

De um lado, o “beauty” vem da nossa
geografia, afinal ele já conhecia o encanto da Cidade Maravilhosa – o Rio de
Janeiro – aonde quase ia fincar uma ‘’Trump Tower’’. E, ao não fechar
negócio no Brasil para implantar um mero empreendimento imobiliário perto do
cais do Porto do Rio, este descobriu o emaranhando de impostos, taxas,
emolumentos e multas envolvida numa operação comercial com brasileiros. Aliás,
já agora no período Trump 2.0, este faz a mesma alusão à burocracia em excesso
existente no Brasil ao falar da incidência de taxação de renda e de preço de
transferências impostas sobre as empresas multinacionais de origem de capital
norte-americano.
Para Trump 1.0 e
equipe, o estilo de negociação do ’brasileiro é o de ser “duro” (toughest)!
Todavia, antes de aceitar essa pecha, cabe indagar se o brasileiro seria
realmente duro numa negociação internacional, seja por via diplomática ou
comercial? Para entender a “boutade” de Trump é preciso lembrar o ditado
popular: quem bate esquece, quem apanha lembra! No contencioso do algodão com
os EUA, resolvido no âmbito do comitê de soluções de controvérsias da OMC,
fomos duríssimos usando punhos de rendas. Nossos cisnes do Palácio do Itamaraty
com base em princípios claros expostos no acordo multilateral firmado no âmbito
do antigo GATT durante a negociação com o Governo dos EUA não aceitaram
barganhar. Resultado: colocaram de joelhos o Poder Executivo Norte-Americano
visto que este foi obrigado a negociar com o seu Poder Legislativo – câmara
baixa e alta – para mudar a “Farm Bill”. E, isso contrariou à época e
muito os interesses dos eleitores e dos estados do sul daquela
nação. Tudo isso ocorreu há uns vinte anos, e a estratégia do Itamaraty foi tão
precisa que virou “cases” para a área do direito internacional, e em teoria de
jogos!
A partir dessa visão calcada no direito
internacional oriundo do GATT/OMC e das regras das leis norte-americanas,
inclusive a de Comércio que são usados nas argumentações e nas cartas
localizadas nos punhos de renda dos nossos negociadores do Itamaraty advém a
percepção dos negociadores norte americanos de que somos duros negociadores!
Porém, pela cartilha e a prática negocial de Trump 2.0 e sua equipe somos
previsíveis por agirmos by the book da
OMC/GATT e das leis de comércio norte americana.
De fato, não há clareza por parte dos
atores governamentais e dos defensores dos interesses das empresas
exportadoras, no Brasil, de que o primeiro book está,
hoje, ao menos em desuso e paralisado ao menos no comitê de soluções de
controvérsias da OMC, e, em função da prática de commom law há novas
interpretações plausíveis em curso da legislação americana nos tribunais e no
executivo e legislativo daquela nação. E, ainda não se entendeu, no Brasil,
que a tarifa aduaneira, em termos históricos, nos EUA, foi usada com três
objetivos a saber: a) para arrecadar recursos para fazer face às despesas da
União; b) para alterar o padrão de produção local com vistas à proteger à
produção doméstica norte-americana contra importações com dumping ou subsídios;
ou c) como instrumento para obter reciprocidade nas relações econômicas de
setores, indústria, e dos EUA tanto com parceiros comerciais de forma
bilateral, regional ou multilateral. Demais, os propósitos desses instrumentos
são para atingir objetivos econômicos e não econômicos. Hoje, grosso modo,
temos que compreender e distinguir essas intenções quando Trump 2.0 usar
o instrumento de tarifas aduaneiras.
O nosso problema, no período Trump 2.0,
caracterizado por novos tempos de negociação internacional em que a linearidade
da conduta e da análise do problema dá lugar para o reino da não linearidade,
da incerteza e das escolhas de “trade off’’ presente
e futuro numa negociação comercial e diplomática só torna frágil nossos
negociadores, tanto os nossos cisnes do Itamaraty, quanto os defensores dos
interesses empresariais brasileiros junto aos EUA.
Importa reter, no momento presente, que
só incorporando os elementos descritos acima com base numa perspectiva de
lógica fuzzy é
que poderemos agora no período Trump 2.0 nos prepararmos para uma negociação
agressiva unilateral, tanto da parte de Trump, quanto dos membros do seu
Governo
Temos de reconhecer que no passado fomos
bons na interpretação do acordo do GATT e em sua solução de controvérsias. Mas,
foi nesse locus institucional que perdemos – em termos multilaterais –
o desenho e o fundamento da política industrial e de comercio exterior de
governos passados, inclusive o período Lula I e II, e tivemos de oferecer
compensações aos nossos parceiros comerciais.
Isso posto é preciso que reconheçamos
que apesar do volume da corrente de comercio de bens e serviços entre o Brasil
e os Estados Unidos, o saldo comercial favorável aos EUA, e ao crescente número
de emigrados legais brasileiros nos EUA trabalhando e investindo tanto lá
quanto cá, e que hoje somam a quase quatro milhões de pessoas há um contencioso
comercial histórico entre o Brasil e os EUA que vem desde os anos noventa do
século passado.
De fato, o Governo Norte Americano
monitora de forma constante o contencioso nas nossas relações comerciais, e há
revisões anuais, principalmente pelo USTR – United States Trade Representative
-, quanto por outros órgãos daquele país. Estivemos na “lista de
observação” da seção 232 e da seção especial 301 da Lei de Comércio dos EUA;
temos revisão sempre em curso dos produtos da lista de beneficiários do Sistema
Geral de Preferências – SGP, notadamente das exportações oriundas da região
Norte e Nordeste; e, os incentivos fiscais e subsídios creditícios que
oferecemos a nossas empresas exportadoras estão sob o escrutínio conjunto do
departamento do comércio e do USTR. Isso tudo sem falar de toda espécie de
medidas de importação, de barreiras não tarifárias, de medidas fito-sanitárias,
e barreiras técnicas gerais ou setoriais que impomos, segundo o USTR, aos
produtos já comercializados pelos fornecedores dos EUA, ou que eles porventura
podem fornecer. E, estamos sempre na lista de país que permite a importação de
produtos de marca falsificados e que infringe a propriedade intelectual. Vale
lembrar que todas essas análises e diagnósticos do governo norte americano
estão descritos em relatórios públicos dessas instituições, e disponíveis na
internet.

Hoje, grosso modo, temos que compreender
que com Trump 2.0, este contencioso estará subjacente em qualquer negociação,
mas dada à amplitude da proposta de tarifa reciproca com vistas a obter
reciprocidade para acesso com corte bilateral ao mercado de lá (EUA) e de cá (
BRASIL), e, dada a superposição do antigo contencioso comercial com a nova
proposta de reciprocidade de redução tarifária , a pergunta a ser respondida é
o que fazer num contexto de negociação agressiva comandada por Trump?
O primeiro ponto é compreendermos o
anuncio a ser feito próximo dia 02 de abril – cunhado por Trump como “liberation
day” – em que serão expostas as diretrizes e talvez o nível
das tarifas reciprocas proposto pelos EUA. O divertido e o interessante é que
nunca antes na história do mundo um grande player que tem a sua economia já
aberta irá propor e negociar por meio de tarifas reciprocas um mecanismo de
abertura e acesso unilateral, bilateral e multilateral para aumentar o comercio
intra indústria entre os EUA e o país ( ou países) que entrar ( ou entrarem) em
negociação com os EUA.
Em outras palavras, serão apresentados
dois vetores de tarifas reciprocas aos parceiros comerciais dos Estados Unidos.
Provavelmente com base no Harmonized System da TUSA o valor ad valorem da
tarifa de importação norte americana será comparado e cotejado com o valor da
tarifa de importação do Brasil ( e/ou dos demais países). Essa medida será um
tipo de proxy a ser usada pelos EUA para mostrar o grau de trade cost que os
produtores norte americanos tem para acessar o mercado brasileiro ( ou em
qualquer outro país). E, a partir dessa dispersão ou diferencial, os EUA iram
elevar o nível das suas tarifas aduaneiras em relação a sua proposta de tarifa
recíproca.
Como o patamar da tarifa norte-americana
é muito mais baixo que o observado no resto do mundo – pois ao longo da estória
do GATT-OMC a redução de tarifa dos EUA junto com clausula MFN foi usada como
um bem público para se avançar nas diversas Rodadas da OMC, hoje, os EUA irão
usar o porrete ( stick) das tarifas para viabilizar tanto o acesso e abertura
ao seu mercado quanto o acesso e abertura do mercado alvo da tarifa reciproca.
Isso é a novidade do dia 02 de abril, pois é diferente do que foi usado nas negociações
comerciais do passado. E, a priori , se seguir uma analise de economia positiva
com base em dados não se pode afirmar a priori que as medidas são
protecionistas ou só semeiam a guerra comercial. De fato, é algo novo em
relação à experiência pós a crise de 1929 em que se proliferou as políticas de beggar
the country.
De fato, importa perceber que o
propósito de “liberation day “ não será a busca de
auto suficiência total de todos os setores da economia norte –amerciana,
tornando-a uma economia fechada ao comércio internacional. Abertura, acesso ao
mercado e possibilidade de lucrar e fazer e negócios continuarão a estar na
mesa de negociações entre os operadores dos EUA com cada país. Logo, obter os
ganhos de comércio advindos da “dupla abertura” – lá e cá – dependerá
fundamentalmente do animal spritis dos empresários exportadores brasileiros.
Infelizmente, esses só querem ser comprados, e não querem ir vender até por não
terem cultura exportadora. Logo, a atitude tanto dos empresários, de seus
representantes e do governo brasileiro será de apatia, desejo de negociação e
mera reação. Em outras palavras, ousadia zero face às oportunidades abertas no “liberation
day”.
Sem dúvida, para que se possa analisar
os efeitos do “liberation day” na estrutura tarifária e de
proteção da economia brasileira e na composição das exportações nacionais é
preciso que a partir dos dados das tarifas reciprocas a serem divulgados com
base no SH do TUSA ( ou do pouco provável SITC) se possa ter acesso aos dados
da Secretaria de Receita Federal do Brasil.
Aliás, será preciso tabular e
calcular o nível da tarifa média nominal do imposto de importação que consta da
Tarifa Aduaneira do Brasil por NCM com os valores importados e os impostos
efetivamente arrecadados ( ou isentados) sob cada regime especial aduaneiro. Ao
se obter o somatório desses dados se obterá uma proxy da tarifa aduaneira
verdadeira cobrada pelo Brasil. Isso poderá ser calculado tanto para os
produtos importados e provenientes dos EUA e do Resto do Mundo. Hoje em dia,
essa informação não poderá ser disponibilizada por ser sigilo fiscal segundo
norma e interpretação da SRF. Sem dados, o que se poderá afirmar é que o Brasil
cobra e coíbe e protege à economia brasileira é bem menor que o exposto
no diário oficial em que se outorga uma proteção ao produto nacional.
Obviamente, entre o diferencial da
tarifa legal e a verdadeira se deveria tentar obter os diferenciais dos preços
internos e externos desses bens para de fato se obter a proteção efetiva dada
pelo Governo à Economia Brasileira. Como não se tem esses dados e não se sabe
como os bens entram e são nacionalizados no território nacional segundo regimes
aduaneiros se tornou comum principalmente entre lideres empresariais do setor
químico e siderúrgico do Brasil que estes venham à público com um mantra
mostrando que estão corretamente sofrendo com a competição de produtos
chineses. Sem dúvida, por exemplo, esses produtos entram pelo Amapá sem
incidência de imposto de importação, de ipi , e com redução de icms para cerca
de três por cento e são transportados e consumidos na região sudeste. Mesmo com
a reforma tributária isso irá perdurar até 2032, sendo que só não se sabe se as
empresas nacionais haverão de sobreviver até lá.
Apesar disso, nosso problema inicial com
as tarifas reciprocas criadas por Trump é temos de identificar as vantagens
comparativas reveladas, e ainda existente em bens e serviços aqui produzidos e
transacionados para potencializarmos ao máximo a capacidade produtiva do
sistema da economia nacional face à um necessário processo de mudança de regime
de comércio com abertura comercial.
Temos de ousar e ter claro que é decisão
soberana e de interesse nosso – do Brasil – mudar agora o regime de
comércio brasileiro, com ou sem ameaça das tarifas reciprocas de Trump. Isso
porque para que uma abertura comercial unilateral como está sendo proposta por
Trump se produza reduzido número de perdedores, é preciso ter e adotar como
princípio uma estratégia de resposta por parte do Brasil uma ação unilateral de
mudança dos preços relativos externos e internos, aonde se altere
simultaneamente a estrutura de incentivos às exportações, de um lado, e as
medidas tarifárias e não tarifárias, de outro lado, de modo que haja um viés
pró-exportador para que se produzam vencedores.

Aliás, vale lembrar que no Governo
Collor, reduzimos as tarifas sobre insumos do agronegócio e se implementou uma
lei agrícola capaz de direcionar crédito a esta atividade cujo resultado – dada
a demanda internacional – é que não somos um país com uma parcela pequena no
comércio mundial dos produtos do agronegócio. Resultado, o regime de comércio
do Agro não é nem pop, nem tóxico, e sim pró-exportador. Não se recolhe
impostos indiretos – icms – aos cofres públicos porque se compete com
fornecedores de todo o mundo, mas se taxa a renda direta mediante o imposto de
renda sobre o produtor rural. Caso haja sanha por uma derrama para
atender aos cofres dos fiscos estaduais por causa do volume de créditos
acumulados com exportações de ICMS, e se se quiser taxar as exportações
estaremos voltando para a época do ciclo do café. Isso seria uma solução,
pois se obteria renda dos consumidores internacionais até eles terem outra
fonte de suprimento e de preferência, como hoje o café colombiano! Aliás, o correto
seria eliminar a figura do acúmulo do ICMS nas exportações para evitar que os
nossos concorrentes digam que estamos a subsidiar os produtores e
exportadores domésticos.
Isso não ocorre com tanta facilidade nos
produtos da indús
tria em que a estrutura de produção e taxação é mais longa. De
fato, há mais etapas para se processar um bem, e a cada momento histórico se há
necessidade de proteger temporariamente certas atividades para gerar
aprendizagem, escala e escopo na produção doméstica. Este bem se for produzido
no Brasil têm de ter condições de ser ofertado de forma competitiva com taxação
indireta ou contribuições de PIS e COFINS para o mercado doméstico, e como isenção
dessa taxação quando o produto for direcionado para o mercado internacional.
Como isso não foi assegurado à indústria ao longo das últimas décadas se
assiste a uma grande desindustrialização, cuja necessidade de
reindustrialização e mudança no chão de fábrica hoje se faz mais necessária
devido à difusão da internet das coisas e a transição energética. Apesar da não
outorga de incentivos corretos ao setor industrial, este conseguiu nos últimos
anos resistir e apresentar perdas nas exportações por operarem num regime de
comércio com viés contra a industrialização de bens e serviços.

Face ao exposto acima, e apesar das
ameaças bilaterais de pressão do Governo Trump 2.0, esse deveria ser um bom
momento para iniciarmos a revisão do regime de comércio brasileiro. Nesse
sentido, um primeiro diagnostico a ser feito seria estabelecer uma taxionomia
do contencioso bilateral com os EUA, dos níveis de proteção nominal e efetiva,
e dos regimes aduaneiros e acordos de complementação econômica com os nossos
parceiros comerciais, inclusive Mercosul.
Sem dúvida, uma equipe pequena deveria
ler os documentos disponíveis na internet e os documentos entregues ao Governo
Brasileiro pelos representantes dos nossos parceiros comerciais. Esta
equipe não deveria conter, nem analistas de comércio exterior, nem diplomatas
de carreira porque o norte da leitura é identificar as “queixas’ e “alegações”
bilaterais e multilaterais de barreiras ao comércio sem posições pré concebidas
visto que há necessidade de identificar cada item desse contencioso em relação
ao que incide na fronteira do país e ao que incide e distorce as condições de
venda do produto importado após a entrada no território nacional.
Ao proceder dessa forma poderemos listar
as medidas não tarifárias, fitossanitárias e outras que nossos parceiros alegam
que restringem o comércio. Verificaremos que boa parte da queixa é decorrência
do jeitinho brasileiro de administrar típico de instituições como IMMETRO,
INPI, MAPA, ANVISA, etc. Com uma diretriz política da CAMEX se poderá
modernizar as normas infraconstitucionais e limpar o contencioso sem ferir a
soberania nacional.
Com relação às tarifas, o Governo
brasileiro poderia anunciar um processo de convergência da atual estrutura da
tarifa nominal para um nível uniforme próximo e em torno de 15% ou 20% de
proteção tarifária. Também se buscaria eliminar os regimes aduaneiros especiais
e ex-tarifários não ligados à atividade de exportação. Vale destacar que nesse
processo de convergência se negociaria com os parceiros do Mercosul a
transformação do bloco numa área de livre comércio visto que essa já de
fato isso, e cada membro poderia estabelecer sua própria tarifa aduaneira, e se
manteria os princípios fundadores o Mercosul, desde que houvesse um maior
controle das regras de origem intra bloco.
Cabe destacar que o Brasil adotou
uma inteligente política comercial estratégica no início do século XXI para
atrair novas montadoras a se instalarem no solo brasileiro, em função da
inovação de um produto nosso – o motor flex – , e seus bons efeitos sobre o
meio ambiente. A jabuticaba brasileira foi reduzir significativamente a
estrutura dos tributos indiretos – tipo IPI, ICMS, PIS e Cofins – dos carros
montados no Brasil e que eram vendidos aos consumidores nacionais, sem que esse
“incentivo” fosse dado ao produto importado. Vale lembrar que o produto
nacional inovador era o motor flex, e no carro importado à época não havia esse
motor. Reduzir a tributação interna funcionou e novas montadoras vieram para o
Brasil, mas violamos o princípio de não discriminação a produto importado após
a entrada no território nacional conforme reza o acordo do GATT/OMC.
Hoje, em época de transição energética,
podemos lançar títulos verdes do governo brasileiro nos Estados Unidos e
usarmos esses recursos para fazer inovações na indústria de transformação de
setores hard
to abate – como siderúrgicos, e químicos – no Brasil, e,
podemos de quebra incentivar a complementação produtiva nessa área entre o
Brasil e os EUA fazendo com empresas exportadoras nacionais se
internacionalizem e comprem unidades nos EUA. Inclusive, podemos fazer isso sem
ferir a legislação internacional mostrando proposito de fazer transição
energética associada ás exportações.
Além disso, para melhorar o
relacionamento Brasil e EUA, devemos combater o contrabando, e a contrafação de
bens que tanto violam os direitos de propriedade intelectual com entram no
Brasil por situações de descaminhos. Isso é preciso que se torne uma ação
perene e constante do Governo. É obvio que esse problema não se restringe à uma
unidade da Federação, pois ocorre em todos os estados da federação, e inclui
também armas e drogas. Aliás, ter uma presença e controle mais efetivo nas
fronteiras é um desejo de toda a autoridade constituída no país. Dada a
extensão geográfica das fronteiras terrestres e marítimas do Brasil impor
controle e inspeção sobre a movimentação de bens e serviços que passam pela
fronteira – sem ferir as normas e leis internacionais – depende de reconhecer a
priori a partir da nossa história de que todos aqueles bens que entram ( ou
saem) devem ser inspecionados no território quando este ocorrer por meio de um
meio de transporte, de uma forma de acondicionamento da carga (tipo container ou
pallet), e numa entrada legal ( tipo porto ou aeroporto). Dado que se tem de
elaborar documentos que comprovem a transferência de propriedade do bem de um
comprador para um vendedor se pode montar “jogos de inspeção” para estabelecer
controles, desde que haja instituição capacitada para essa atividade.
No Brasil, hoje, existem sistemas
informatizados em que se pode obter tanto o fluxo físico, fiscal, monetário e
cambial da exportação quanto da importação em termos de origem e destino, bem
como o fluxo de carga podem ser verificados e checados para efeitos de controle
comercial, aduaneiro e cambial. Pode-se inspecionar ou pré-inspecionar preço,
volume, valor, tipo, etc na entrada e na saída. Só precisa saber analisar esse
Big Data e fazer uma mineração de dados perene. Isso pode ser feito se juntar
uma força tarefa da Coana/MF com o Decex/Mdic e COAF-MJ sob um mesmo órgão de
Governo, se requerendo apenas mudança legal das funções e atribuições dos
respectivos Ministérios.

Do exposto, o anúncio do “liberation
day” pelo Presidente Trump é um bom momento para se
ousar na condução das negociações com os Estados Unidos. A partir do mapa
de sugestões aqui proposto, caso estas viessem a ser adotadas de forma imediata
permitirá que o Governo resista às pressões a serem feitas pelo o atual
Presidente dos EUA na medida que se terá “novas” propostas nas mãos para se
negociar com a equipe de Governo dos EUA. Surpreender e alterar o
conteúdo da agenda de negociação de forma não linear tira Trump e sua equipe da
sua zona de conforto, e da sua obsessão momentânea. Kim Jong-un fez isso, e o
problema Estados Unidos- Coréia do Norte saiu do noticiário internacional. Por
sua vez, Xi Jinping trata e negocia com Trump de forma linear e tradicional, e
não há grandes avanços nas negociações China – EUA, e, a guerra comercial se
aprofunda cada vez mais. Assim, ser não linear e ser inesperado – usando o
método ODDA loop conforme demostrado por Tom Cruise nos filmes TOP GUN 1 e 2
sem ser uma missão impossível – é a essência da arte de se negociar com
Trump!
Crédito:
Mario Cordeiro de Carvalho Junior
Professor da Faf-UERJ