Há algo profundamente equivocado no coração do brasileiro moderno: um desejo quase desesperado de ser qualquer coisa, menos brasileiro. Nas últimas décadas, trocamos o sonho pelo visto, a identidade pela cidadania alheia, e a esperança por um passaporte estrangeiro — mesmo que o destino seja tão instável quanto a própria fuga.
Lá atrás, o
Brasil parecia pequeno demais para nossos sonhos. A América brilhava com seus
dólares, a Europa nos seduzia com seus euros, e até os ventos orientais do
Japão sopravam promessas de prosperidade. Migrar era sinônimo de vencer. Mas a
realidade, como sempre, não cabe nas vitrines. A vida lá fora nunca foi como
nos cartões-postais.
Hoje, vivemos
uma nova distorção. Com os grandes destinos fechando as portas, surgem os
"especialistas" que vendem cidadanias como quem vende ilusões
baratas: paraguaia, uruguaia, panamenha, tailandesa, libanesa... Qualquer uma
serve, desde que não seja a nossa. Basta um pouco de marketing emocional, um
vídeo bem editado no Instagram, e pronto: um exército de brasileiros já está
disposto a renunciar à própria história por um documento que, no fundo, não
resolve nada.
E é aqui que
cabe uma pergunta desconfortável, mas necessária: quando foi que deixamos de
acreditar em nós mesmos?
Ser cidadão não
é apenas portar um papel, é pertencer, é compreender os códigos invisíveis de
um povo, a memória, a língua, o chão. É carregar responsabilidades, inclusive
as que vêm com os próprios erros. Trocar de cidadania como se troca de roupa
não é sinal de liberdade, é sintoma de abandono, de uma urgência mal digerida
de escapar da própria origem.
O Brasil, sim,
está longe da perfeição. Temos problemas profundos, históricos, estruturais,
mas temos algo que muitos países invejam e poucos reconhecem: a liberdade de
começar do nada e, mesmo assim, fazer muito. Aqui, o improviso virou arte, a
crise virou ginga, a falta virou invenção. E quem aprende a vencer no Brasil,
vence em qualquer lugar.
A verdade é uma
só: é mais fácil ganhar dinheiro no Brasil do que em muitos dos países que hoje
servem de fuga emocional para quem já perdeu a fé no próprio povo. A diferença
é que aqui, para vencer, você precisa acreditar em si mesmo. Lá fora, precisa acreditar
que será aceito. E essa aceitação tem um custo que poucos estão dispostos a
pagar: solidão, subemprego, exclusão, invisibilidade.
Não se trata de
desencorajar quem tem planos sinceros de emigrar. Viver em outro país pode ser
um projeto bonito, legítimo, necessário até, mas que seja feito com propósito,
preparo, maturidade e sobretudo, conforto financeiro. Emigrar por necessidade é
exílio, emigrar por ilusão é suicídio lento. Só vale a pena partir quando ficar
já não for mais opção, e não quando o feed do Instagram disser que “lá fora é
melhor”.
Antes de desejar
outra cidadania, pergunte a si mesmo: - “O que me falta para honrar a que eu já
tenho?”
Enquanto muitos
correm para fora, outros estão ficando, e construindo aqui, silenciosamente, o
Brasil que vai nos fazer querer ficar. Talvez seja hora de parar de correr do
país e começar a correr por ele.
CRÉDITO DA MATÉRIA
Carlos Henrique Mascarenhas Pires é jurista, de Belo Horizonte, MG, com dupla cidadania (brasileira e espanhola), e esse texto originalmente está estacionado em seu blog na plataforma WordPress:. só clicar no link: Carta ao Brasileiro que Sonha com o Lado de Fora
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